Uma lição passada pelo mestre...
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A lição de poesia
João Cabral de Melo Neto
1
Toda a manhã consumida
como um sol imóvel
diante da folha em branco:
princípio do mundo, lua nova.
Já não podias desenhar
sequer uma linha;
um nome, sequer uma flor
desabrochava no verão na mesa:
nem no meio-dia iluminado,
cada dia comprado,
do papel, que pode aceitar,
contudo, qualquer mundo.
2
A noite inteira o poeta
em sua mesa, tentando
salvar da morte os monstros
germinados em seu tinteiro.
Monstros, bichos, fantasmas
de palavras, circulando,
urinando sobre o papel,
sujando-o com seu carvão.
Carvão de lápis, carvão
da idéia fixa, carvão
da emoção extinta, carvão
consumido nos sonhos.
3
A luta branca sobre o papel
que o poeta evita,
luta branca onde corre o sangue
de suas veias de água salgada
A física do susto percebida
entre os gestos diários;
susto das coisas jamais pousadas
porém imóveis – naturezas vivas.
E as vinte palavras recolhidas
nas águas salgadas do poeta
e de que se servirá o poeta
em sua máquina útil.
Vinte palavras sempre as mesmas
de que conhece o funcionamento,
a evaporação, a densidade
menor que a dor ar.
( 1942- 1945)
Essa lição que o poema traz é muito reconfortante para nós, pobres mortais... Quem nunca teve
--> Toda a manhã consumida / como um sol imóvel / diante da folha em branco? Já tratei sobre o assunto no post dedicado aos mitos que cercam o ato de escrever e vimos que até os grandes e consagrados escritores sofrem/sofreram enquanto produzem/ produziam as suas obras.Cada texto que eu consegui produzir na vida foi praticamente um parto! O sangue corre das veias, pelo esforço diante da página em branco, exatamente como ele descreve no poema.O texto também mostra que toda a escolha lexical é pensada detalhadamente, pois elas não estão ali por acaso.Depois dessa, podemos respirar aliviados!
Comentários
Seus post sobre a escrita são ótimos!
Ficou muito bom, já gostava antes, mas como boa inquieta que sou,amo mudanças, essa foi das boas!
^^
Sobre o poema que nos serviste, bom, sabe, esto pensando muito em me afastar um pouco do blog, acho que estou me conformando com a mediocridade dos meus atuais textos, quero crescer!
Quero aprender!
Não sei, estou meio confusa!
Bom, você sempre me dando inspiração, hoje, pra olhar pro papel e encara-lo, não me afuguentar!
Obrigada!
Beijo* da Nathi