Pedaços de leitura: Terra Sonâmbula, de Mia Couto


Citações presentes na primeira página do livro:

Se dizia daquela terra que era sonâmbula. Porque enquanto os homens dormiam, a terra se movia espaços e tempos afora. Quando despertavam, os habitantes olhavam o novo rosto da paisagem e sabiam que, naquela noite, eles tinham sido visitados pela fantasia do sonho. (Crença dos habitantes de Matimati)

O que faz andar a estrada? É o sonho. Enquanto a gente sonhar a estrada permanecerá viva. É para isso que servem os caminhos, para nos fazerem parentes do futuro. (Fala de Tuahir)

Há três espécies de homens:
Os vivos, os mortos e os que andam no mar. (Platão)

Contar histórias é algo milenar, advém das mais remotas e passadas tradições humanas. Terra Sonâmbula é um bom exemplo disso. A história se passa no Moçambique pós-independência durante uma terrível guerra civil. Os personagens, um velho chamado Tuahir e um menino por nome Muidinga encontram um ônibus abandonado que servirá de abrigo para ambos. Ao lado do veículo encontram uma mala que contém os doze cadernos de Kindzu, outro fugitivo da guerra. Tal caderno é repleto de histórias fantásticas que remetem poeticamente à tradição africana. Ainda não conclui a leitura, mas já estou encantada e fiz uns recortes das primeiras partes do livro:


Capítulo I - A estrada morta
Um velho e um miúdo vão seguindo pela estrada. Andam bambolentos como se caminhar fosse seu único serviço desde que nasceram. Vão para lá de nenhuma parte, dando ao vindo por não ido, à espera do adiante. (p.9)
O menino estava já sem estado, os ranhos lhe saíam não do nariz mas de toda a cabeça. O velho teve que lhe ensinar todos os inícios: andar, falar, pensar. Muidinga se meninou outra vez. Esta segunda infância, porém, fora apressada pelos ditados da sobrevivência. (p.10)
Parece que o fogo gosta de nos ver crianças. (p.11)


Primeiro caderno de Kindzu: o tempo em que o mundo tinha a nossa idade
A guerra é uma cobra que usa os nossos próprios dentes para nos morder. [...] De dia já não saíamos, de noite não sonhávamos. O sonho é o olho da vida. Nós estávamos cegos. (p.17)
Ficava a olhar o antigamente. (p.17)
[...] Melhor sentinela é não ter portas. [fala do velho Tuahir] (p.17)
Quem sabe nossas barrigas se torcessem de aperto: dos nadas de nossos prantos, afinal, sempre restava uma qualquer coisinha. (p. 19)
Sua voz nos fazia descer uma tristeza, olhos abaixo. (p.19)
[...] tombou sobre o chão com educação de uma folha. (p.20)

Capítulo II – As letras do sonho
O respirar dos adormecidos é um ruído que inquieta. Como se neles soasse uma outra alma. (p. 35)
[..] medo espreita pela fresta das pálpebras [...] (p.35)
[...] pé posto em cautela. (p.35)
Quando é que cores voltariam a florir, a terra arco-iriscando? (p.37)
Mais uma vez contempla a palavra escrita na estrada. Ao lado, volta a escrevinhar. Lhe vem uma outra palavra, sem cuidar na escolha: “LUZ”. Dá um passo atrás e examina a obra. Então, pensa: “a cor azul tem o nome certo. Porque tem as iguais letras da palavra ‘luz’, fosse o seu feminino às avessas” (p.37)

Segundo caderno de Kindzu: uma cova no tecto do mundo
[..] no mar, serás mar. E era: eu me peixava, cumprindo sentença. (p. 41)







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MIA, C. Terra Sonâmbula. São Paulo: Companhia das Letras, 2007.


Comentários

Carlos disse…
Adoro Mia Couto! E estou adorando seu blog! As palavras do seu blog têm um sabor espetacular!

Beijos!

Carito
Marcelo Tavares disse…
Oi Débora, vim agradecer pela visita e comentários no meu blog. Volte sempre. =) Beijo.

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